
A ORIGEM DO NOME 'FORRÓ':
Forrobodó africano é a fonte do nosso forró
A origem da palavra “forró” não permitia, até alguns anos atrás, qualquer discussão. Dizia-se que o vocábulo tinha nascido nos primeiros anos do século XVIII, quando engenheiros ingleses que tinham vindo a Pernambuco para construir ferrovias começaram a promover bailes de entrada gratuita para os brasileiros que trabalhavam com eles. A fim de garantir que todos compareceriam aos eventos, os ingleses penduravam uma placa na entrada dos bailes: “For All”.
Em inglês, a expressão significa para todos. Em tese, a pronúncia abrasileirada teria sido a origem do “forró”. Algumas escolas pernambucanas chegavam, na década de 1970, a ensinar essa como a versão oficial do nascimento da palavra “forró”. Atualmente, contudo, a maioria dos folcloristas e historiadores do assunto acreditam que a origem da palavra é outra, sem nenhuma relação com a lenda dos engenheiros ingleses.
Segundo esses especialistas, “forró” vem da expressão “forrobodó”, palavra africana que significa “festança”, “bagunça”. Desde o século XVII, o termo passou a dar nome a festas irreverentes, quase sempre recheadas de música, dança e bebida. Com o tempo, as referências a “forrobodó” passaram a ser abreviadas, Daí surgiu o vocábulo “forró”, cujo primeiro registro oficial data de 1733. A palavra apareceu em um texto do jornal O Mefistófolis, que continha o seguinte trecho: “Parabéns ao Dr. Artur pelo grande forró realizado em sua casa”.
A explicação mais recente bate perfeitamente com uma observação que músicos como Zé da Flauta, um dos compositores de jingles mais conhecidos de Pernambuco, já fazem há algum tempo. Segundo eles, o forró não seria um gênero musical, mas qualquer tipo de representação popular musical criado pelos nordestinos. “Se observarmos um disco de forró, por exemplo, vamos encontrar vários gêneros musicais, como côco, xote, xaxado, marchinhas e baião”, afirma Zé da Flauta. Para ele, forró é originalmente a soma de música (em geral, criada com triângulo, zabumba e sanfona, instrumentos mais populares do Nordeste há muitas décadas) e festa.
A EVOLUÇÃO DO RITMO:
Uma festa que virou música
Os bailes nordestinos nos idos de 1730 já eram chamados de “forrós” e esse nome não estava necessariamente ligado ao ritmo que conhecemos hoje, mas às festas em si, simples e alegres realizadas ao sabor da música e da animação do povo, segundo artigo publicado pelo produtor Zé da Flauta. A festa forró só virou o ritmo forró e ganhou o Brasil a partir de 1940, quando as canções de Luiz Gonzaga começaram a tocar na Rádio Nacional.
Dos anos 1940 para cá, muita coisa mudou no forró. “Não sei se podemos falar em evolução. Se tomarmos no sentido da transformação para melhor, certamente que não! Mesmo que se haja criado peças musicais de excelente qualidade, nos dias atuais, também é verdade que existem os ‘standards’ dos tempos idos. E, se existem peças mau desenvolvidas no passado é igualmente verdade que no presente se escutam peças de extremo mau gosto, sem o menor sintoma de criatividade, ainda batizadas de forró”, diz o professor Nelson Almeida, do Departamento de Música da UFPE.
É inumerável a quantidade de artistas e instrumentistas que construíram suas carreiras sobre o ritmo combinado da sanfona, da zabumba e do triângulo, com as variações mais que conhecidas do xote, baião, coco e xaxado. Além do filho ilustre de Exu, Luiz Gonzaga, o Nordeste consagrou muitos outros forrozeiros, como Jorge de Altinho, Trio Nordestino, Nando Cordel, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva e Arlindo dos Oito Baixos.
Grupos mais novos, emergentes da atual cena musical pernambucana - como Cumadre Fulozinha, Siba e a Fuloresta, Cascabulho, Maciel Salú e o Terno do Terreiro, Cordel do Fogo Encantado e Silvério Pessoa – usam o forró em suas composições, mas não se limitam a ele. “Hoje digo que trabalho com o elemento forró, mas não diria que meu som é diretamente denominado forró. A raiz está fincada no chão, mas tem idéias flutuantes circulando o CD que me lançam em futuras ousadias. Eu diria que pode ser um trabalho sobre a tradição, tendo elementos do gênero forró, mas que aponta mais para uma tentativa de oferecer uma nova linguagem à tradição, combinando com novos elementos culturais da urbanidade”, diz Silvério sobre seu mais novo disco, Cabeça Elétrica, Coração Acústico.
Dentro do que se escuta atualmente nas rádios no segmento forró, é inegável a abrangência dos chamados grupos de forró estilizado, sucesso em muitas cidades brasileiras e oriundas especialmente do Recife e de Fortaleza (CE). “É um forró bem diferente, é uma outra coisa. Se colocar uma percussão baiana tocando, dá certo, se colocar samba ou lambada, também dá certo, só não dá certo chamar de forró”, diz o sanfoneiro Dominguinhos.
Para o professor Nelson Almeida, a qualidade do trabalho feito por essas bandas é questionável. “Isto que se chama de forro estilizado não passa de forró de mau gosto, ou melhor, de outra coisa que lembra tanto a dança do forró quanto qualquer exemplo dessa infinidade de ritmos e estilos não exatamente definidos que pululam na maioria de nossas rádios”, diz ele.
Silvério Pessoa, apesar de apreciar a criação de um dia nacional para o ritmo, levanta um temor. “Tenho receio de que tudo isso vire museu em um curto espaço de tempo, pela ‘defesa’ da tradição. Para mim, forró tem relação direta com jazz, blues e rock, mas o que se denomina de forró hoje em dia, que não seja a história de Luiz Gonzaga? O culto a ele dificulta os novos rumos da música que chamamos forró”, aponta.
BIOGRAFIA DE LUIZ GONZAGA
O talento do sertanejo que conquistou todo o Brasil
Se Luiz Gonzaga não tivesse deixado a pequena Exu, no meio do Sertão pernambucano, e arriscado a vida lá pelas bandas do sul, certamente o Brasil não teria conhecido tão bem o forró. Com sua sanfona de 120 foles, o Velho Lua mostrou ao país como se dança o baião e acabou se tornando uma instituição da musica brasileira.
A relação do cantor com o forró é tão próxima que Gonzação se tornou sinônimo do ritmo que embala as festas nordestinas. E nas diversas entrevistas que concedeu antes de morrer, em agosto de 1989, Luiz Gonzaga sempre fazia questão de repetir orgulhoso: “Eu fiz o som do Nordeste”.
Este ano, mais precisamente no dia 6 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano como o Rei do Baião, instituiu o dia 13 de dezembro, data em que Luiz Gonzaga nasceu, como o Dia Nacional do Forró.
Foi na modesta Fazenda do Caiçara, na ensolarada Exu, que no dia 13 de dezembro de 1912 nasceu Luiz Gonzaga. A relação com a música começou cedo, quando o garoto acompanhava o pai, Januário José dos Santos, nas festas rurais. Aos oito anos, ele já tocava o velho fole de Januário, e logo depois começou a se interessar pela sanfona, instrumento que o acompanhou por toda a vida.
Aos 17 anos, numa das constantes brigas que tinha com o pai, Luiz Gonzaga decidiu fazer as malas e rumou para Fortaleza (CE). Na capital cearense, se alistou no Exército, o “colégio dos pobres”, segundo ele. Foram nove anos de vida militar até que, em 1939, embalou a sanfona e decidiu tentar a vida no Rio de Janeiro.
Na cidade carioca, Luiz Gonzaga tocou em feiras e cabarés até ser descoberto por Ary Barroso, que o levou para o seu programa de calouros no rádio. Foi quando o país conheceu o pé-de-serra e o Velho Lua, o caminho do sucesso.
O primeiro dos 56 discos que gravou durante a carreira foi lançado dois anos depois, em 1941. Luiz Gonzaga não demorou muito para se tornar um dos artistas mais vendidos do Brasil. A partir daí, passou a tocar em diversas rádios e conseguiu inserir sua música, marcada pela vida sofrida do nordestino, ao lado de outros nomes da MPB.
Em parceria com Humberto Teixeira , gravou “Asa Branca”, que se tornou o hino do sertanejo. Com Zé Dantas, um dos maiores parceiros do Rei do Baião, compôs ainda “Xote das Meninas”, “Vem Morena”, “Cintura Fina” e outras tantas músicas que servem até hoje de inspiração e foram regravadas por inúmeros seguidores.
Os últimos anos da carreira foram marcados por restrições impostas pela osteoporose, doença que viria vitimá-lo no dia 2 de agosto de 1989. Numa das últimas entrevistas que concedeu, dias antes de falecer, Luiz Gonzaga confessou que passou os últimos dez anos sem tocar sanfona. “Já não toco mais, só ponho a voz nas gravações. Deixo a sanfona a cargo de gente como Dominguinhos”, revelou.
Mesmo debilitado pela doença e sem forças para segurar a sanfona, o Rei do Baião explicou ainda que nunca deixou de criar. O último disco que lançou pouco antes da morte, tinha 11 músicas inéditas e uma regravação de Dalva de Oliveira. “Até doente boto tempero e graça nas minhas coisas”, revelou, emendando com o refrão:
“Tô doidinho pra me deitar naquela cama/ Tô doidinho pra me cobrir com teu lençol/ Doidinho pra te matar de cheiro/ Juntar os travesseiros/ Soprar o candeeiro/ E começar nosso forró”.
Ainda por conta da osteoporose - doença que provoca descalcificação dos ossos - precisou andar de muletas, que chamava bem-humorado de “gonzaguetas”. Mas logo se mostrava incomodado com a situação. “O que eu não gostaria era de ficar assim, sendo carregado, por não ter pernas”.
No final de junho, Luiz Gonzaga, com 76 anos, foi internado devido ao agravamento da osteoporose. Foram 41 dias no hospital até a notícia da morte. Aquela quarta-feira de agosto ainda nem tinha começado direito, mas às 5h da manhã já havia centenas de fãs na porta do hospital esperando para dar o adeus ao Rei do Baião. No dia seguinte, 3 de agosto, o corpo foi levado para Exu, onde foi enterrado.